quinta-feira, 1 de março de 2007

Kabengele Munanga - Racismo esta luta é de todos

Antropólogo
fala da discriminação das crianças negras nas escolas e convida a sociedade a
rever seus valores para construir um país mais justo e mais rico. O
antropólogo Kabengele Munanga, em entrevista exclusiva a RAÇA BRASIL, faz um
alerta contra a discriminação e os preconceitos raciais nas escolas. Professor
titular do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, ele nasceu em 1942, na
República Democrática do Congo, e se naturalizou brasileiro em 1985. Estudioso
e pesquisador incansável da temática negra no Brasil, Kabengele lembra que um
racismo caracterizado pelo silêncio criminoso e pelo falso mito de democracia
racial impede a conscientização e a necessária mobilização da população.
A saída? "Temos que encontrá-la juntos", garante. Buscando
estratégias políticas e econômicas que visem ao bem de todos. Kabengele
Munanga é autor de dezenas de livros, entre os quais Rediscutindo a Mestiçagem
no Brasil, da Editora Vozes. Ele também organizou a obra Superando o Racismo na
Escola, publicada pelo MEC.

RAÇA
BRASIL
-
Como o senhor
avalia a situação da criança negra, hoje, no país?

KABENGELE MUNANGA - O racismo no Brasil
mantém os negros em péssimas condições socioeconômicas e dificulta seu
acesso à educação de boa qualidade e ao mercado de trabalho, entre outros
prejuízos. A conseqüência disso é que as crianças, já maltratadas pelo
baixo poder aquisitivo dos pais, também sofrem ao entrar para o ensino
público. O sistema foi construído com base na realidade da minoria abastecida,
ou seja, da classe média brasileira. Assim, além de ser excluídas das escolas
particulares, não recebem nas unidades públicas tratamento adequado ao seu desenvolvimento
intelectual e emocional.


RAÇA
-
Até na escola
ela sofre desvantagem?

KABENGELE - Sem dúvida. Todos os
preconceitos e discriminações que permeiam a sociedade brasileira são
encontrados na escola, cujo papel deve ser o de preparar futuros cidadãos para
a diversidade, lutando contra todo o tipo de preconceito. Mas, na prática, ela
acaba é reforçando o racismo.


RAÇA
-
E como o senhor
explica esse processo?

KABENGELE - Na maioria das vezes, os
professores não estão preparados para lidar com as diferenças e muitos deles
já se mostram predispostos a não esperar o melhor resultado do estudante negro
e pobre. E tem também a questão do programa curricular e do próprio livro
didático, que, além de privilegiarem a cultura européia, transmitem
preconceitos de várias naturezas: de classe, de cor, de raça, de religião...
Tudo isso fortalece os mecanismos de exclusão e impede que a escola cumpra seu
verdadeiro papel, que é o de educar, socializar e formar verdadeiros cidadãos.


RAÇA
-
O racismo da
escola é pior do que o das ruas?

KABENGELE - É igual. Mas torna-se mais
grave na escola porque se trata de um espaço público e o aluno está ali para
aprender. Por isso, o preconceito tem um impacto mais direto sobre a criança.
Esse racismo à moda brasileira - menos explícito que nos Estados Unidos -
prejudica o processo de formação de consciência e mobilização da própria
vítima.


RAÇA
-
Até o ensino
da História é discriminador, não é verdade?

KABENGELE - Para se ter uma idéia da
gravidade dessa questão, o departamento de História da Universidade de São
Paulo, a maior do país, até pouco tempo não tinha professor para ensinar
História da África. Foi preciso que o movimento negro e outras entidades
pressionassem para que isso acontecesse.


RAÇA
-
As crianças negras
não conhecem sua própria história...

KABENGELE - Exatamente. E isso aprofunda sua
alienação. Ela abre os livros, lê a história de outros povos e não vê a sua.
Ou seja, fica sem passado. Os outros povos estão lá: os portugueses,
italianos, japoneses... A dedução natural dessa criança, ainda que
inconsciente, é: não sou parte da história, portanto não pertenço à
humanidade.


RAÇA
-
E em relação
à escravidão?

KABENGELE - Alguns livros didáticos falam do
papel do negro no Brasil como escravo, mas não mostram sua participação
concreta na sociedade brasileira, seu espaço na economia. O negro não
trabalhou só nas plantações. Trabalhou nas artes, na mineração. Aliás, foram
os negros que ensinaram aos portugueses as técnicas de mineração. Essas coisas
não são ditas. O silêncio também é uma forma de racismo.


RAÇA
-
Isso dificulta
a construção de uma identidade nacional?

KABENGELE - Claro. A diversidade é uma riqueza
e não deveria criar problemas. Não podemos construir a identidade brasileira a
partir de uma única cultura, considerada superior, que é a ocidental. A criança
precisa aprender na escola como os portugueses, os japoneses, os negros
contribuíram para o desevolvimento do país. E que nenhuma dessas
contribuições é melhor do que a outra.


RAÇA
-
A imagem
negativa acaba interferindo no aprendizado?

KABENGELE - Muitas vezes a criança já chega
na escola como derrotada. Ela já tinha a auto-estima baixa. Aí os preconceitos
e discriminações que aconteciam na vizinhança e na comunidade se reforçam e
se repetem na sala de aula. Isso mina o processo de aprendizagem.


RAÇA
-
Vem então a
repetência, a evasão, a sensação de fracasso...

KABENGELE - Costuma vir também a
constatação racista de que o negro é menos inteligente. Um completo absurdo.
O que acontece é que a criança simplesmente não encontra no espaço da escola
condições adequadas para se desenvolver intelectualmente. Além disso, existe
o despreparo dos professores, o conteúdo dos livros didáticos, a
discriminação, a cultura elitista. Tudo isso contribui para que essa criança
se sinta insegura, desestimulada e acabe se mostrando incapaz.

As Dificuldades de se ter otimismo..

O filme Ray, estrelado por Jamie Foxx - que ganhou o Oscar de melhor ator por viver Ray Charles -, revela que o astro do jazz só descobriu seu talento no piano ao ficar cego, aos 7 anos Isso não quer dizer que seja fácil enfrentar as dificuldades com otimismo. Todo mundo sabe como é duro entrar em uma faculdade, arrumar um bom emprego, sofrer discriminação. Mas se render aos obstáculos não faz ninguém sair do lugar.
ATITUDE JÁ Otimismo, garra e muita determinação são os ingredientes necessários para dar a volta por cima e chegar lá!
Rascismoooooo

Kabengele Munanga

Doutor em Ciências Humanas

pela Universidade de São Paulo

E-mail: kabe@usp.br

Leia entrevista completa

"Pelé conseguiu ser respeitado, venceu vários obstáculos, tornou-se um ídolo. Mas sua ascensão tem limites. Hoje, por mais que quisesse, não seria eleito presidente da República"
Sexualidadeooooo